domingo, 16 de outubro de 2011

Flap. 1

Parte 1.


Renata apanhou uma revista que estava jogada sob a mesa e dirigiu-se até o jardim da casa. Dobrou a revista em forma de funil e a Colocou próxima ao ouvido. Se curvou inclinando-se no sentido do jardim e em silêncio permaneceu durante alguns segundos.

Duas rosas conversavam enquanto Renata se esforçava para ouvir, tomando o maior cuidado para não chamar a atenção para si.

“Você está completamente errado”- Disse a rosa mais irritada, que inclinando-se para baixo retirou uma pequena pedra que atrapalhava o seu caminho.

A rosa falou ‘Errado’? Deveria ter falado ‘errada’ já que as rosas não são meninos. Pensou Renata.

-Claro que não estou errado Sebastião! Caso o amor acabe, vai ser muito
melhor que aquele que não ama mais, finja que ainda ama.

-E o outro que ainda ama de verdade, vai saber que está sendo enganado?- falou Sebastião que agora estava mais irritado do que nunca.

-Claro que vai saber. Os dois irão saber! Mas vão aceitar isso sem problemas, porque não tem nada pior do que não ter alguém para amar- Foi com certo ar de autoridade que Tortopracima completou a sua teoria sobre o amor. Totalmente convicto de suas verdades.

-Veja bem Tortopracima, como já te falei milhares de vezes, minha origem descende de uma das mais tradicionais e requisitadas famílias de rosas do mundo, somos famosos por integrar os mais lindos buquês de dia dos namorados,casamentos e até aniversários desse século.

- E daí? Em que isso prova que estou errado?

- E daí que eu tenho muito mais propriedade para falar sobre o assunto do que você.

Sebastião já estava arrancando as pétalas de tão nervoso. E por isso continuou:

– A verdade é que, é muito melhor não saber que a outra pessoa não te ama mais, é melhor continuar achando que o amor ainda existe. Não tem nada pior do que não ser amado.

-Porque vocês estão tão nervosos? – Renata não agüentou mais tanta confusão e resolveu interferir.

-Quem é você?- Perguntou Sebastião assustado com aquela figura humana que interrompia a discussão.

-Oi, eu moro bem ali naquela casa azul, sou vizinha de vocês... Na verdade vocês moram no meu quintal.

As rosas se entreolharam espantadas.

-Nos estávamos discutindo um assunto muito importante e você nos atrapalhou- Respondeu Tortopracima enquanto tomava a frente de Sebastião, pois a pobre rosa estava morrendo de medo.

-Ho! Desculpem-me a falta de educação, não era a minha intenção atrapalhar nada.

- Pronto! Desculpada! agora você já pode voltar para o lugar de onde veio; Adeus – Tortopracima falou e virou de costas para a garota curiosa.

-Muito obrigada por me desculpar...Mas sobre o que vocês estavam falando mesmo?

-Olha garotinha, primeira coisa, você é muito curiosa e o assunto que estamos falando é muito complicado para você- Dessa vez foi Sebastião quem falou, ele já estava nervoso antes da chegada da garota e isso só o fez a sua bravura irritada aumentar.

-Deve ser complicado mesmo, pelo que eu pude ouvir até agora vocês tem muitos argumentos sobre o assunto não é? Já faz muito tempo que estão discutindo isso?

-Olhe só, vou te responder isso e você vai embora logo depois, temos mais o que fazer do que ficar respondendo as suas perguntas- Tortopracima respirou fundo e deu início a sua explicação.

-Bem, faz um bom tempo sim- Tortopracima ficou pensando um pouco; como que calculado o tempo da discussão. –Para falar a verdade, eu fui plantado aqui há algum tempo. Logo no início eu era muito pequeno e ainda não podia enxergar. No dia em que eu comecei a enxergar e ver o mundo, a primeira coisa que eu vi foi o Sebastião.

- Comigo também foi assim. Confessou Sebastião agora mais calmo.

-Então quer dizer que vocês só conhecem um a o outro e nunca saíram daqui? falou Renata com um olhar de quem não estava entendendo muito bem.

-Isso mesmo- Responderam os dois ao mesmo tempo.

-E toda essa discussão? – continuou a garota.

“veja só, antes de começarmos a enxergar, nos já podíamos escutar tudo o que acontecia ao nosso redor, então um belo dia ouvimos umas vozes falando sobre o amor; acho que eram duas pessoas que tinham que se afastar uma da outra ou algum motivo. Ouvimos pouca coisa, mas como não conseguíamos ver e nem sentir, escutamos tudo e criamos nossos próprios conceitos sobre o que seria esse tal de amor. E aos poucos, ouvindo uma coisa aqui e outra ali criamos nossas opiniões”. - Falou Sebastião com todo orgulho estampado nas pétalas.

“Um belo dia começamos a enxergar e ai quando vi que tinha alguém do meu lado comecei a discutir o assunto na mesma hora, e desde então estamos discutindo” Completou Tortopracima, com um sorrisinho de canto de boca.

-Vocês nunca saíram do mundinho de vocês, só conhecem um ao outro e mesmo assim vivem brigando! Como podem saber o que é o amor se nunca viveram ele? Vocês discutem isso desde que começaram a viver, perderam tanto tempo discutindo que se esqueceram viver - A garota estava espantada com tudo aquilo.

-Eu disse para ela Sebastião, esse assunto é muito complicado para uma garotinha-

E então voltaram a discutir.