Hoje
acordei cedo e coloquei uma cadeira na calçada de casa.
Quente como o diabo.
Mas a calçada é boa, Com vista para a padaria e ponto de
ônibus na esquina.
Eu mesmo coloquei os azulejos. Antiderrapantes; Uma nota.
Fiquei lá na minha cadeira olhando o
movimento. Cruzei as pernas; e no meu pé de apoio, desferi um tiro. O sangue escorreu e as pessoas correram para todos os lados. Algumas senhoras até caíram no chão. Se fosse na minha calçada isso não teria acontecido.
Já não sou mais um garoto. Tenho dois filhos criados; e muito bem obrigado. Casados e formados.
Um é Dentista, casado com Helena, e o outro, professor de educação física, casado com Heleno.
A vida tem dessas.
Algumas pessoas dentro da
padaria e dos prédios ao redor começaram a se manifestar com celulares e
câmeras fotográficas.
Eu continuo aqui, parado. Perna cruzada e arma em punho.
sensação de cansaço. Deve ser o sangue na calçada.
Lá, na esquina, posso ver as sirenes. Finalmente. Parece que os comedores de carboidratos me
deduraram para a polícia.
Deixe-me ver mais. A minha mulher é um amor. Posso afirmar que não trocaria um minuto que
passei ao lado dela por nada nesse mundo. Sou eternamente grato a minha família e amigos; Menos ao
Farias. O Farias ficou com a minha mulher no colegial.
As viaturas chegaram fazendo aquele balé costumeiro; e logo se dispuseram em locais estratégicos ao redor da padaria.
Policiais agindo com despreparo?
Ok!
Disputa por atenção entre jornalistas e helicópteros.
Ok também!
Dou outro tiro.
Só para não perder o costume.
Só que dessa vez no joelho.
Dói Muito. Não recomendo.
Quando me formei em letras, logo fui convidado para ministrar aulas a uma
turma de ensino médio. Cheguei a diretor
e aqui estou, aposentado há exatas 24 horas.
Não tire conclusões obvias. Não é por isso que estou aqui. Não
fiquei triste com isso. Cumpri a minha missão e função social. Retirei-me ao conforto do lar com honras e méritos.
Sou um homem feliz, consagrado e
sangrando.
“Senhor, largue a arma; Para sua segurança e dos demais”
A vida é longa de mais, e nada acontece fora o que já acontece. Já a minha vida,
foi boa de mais. Vivi muito e aprendi tudo o que pude. Talvez não o bastante,
mas o bastante para me sentir realizado com a vida. Como diria o meu neto, eu “ Zerei a vida”.
Vida segue, e hoje vou dar a eles um
motivo para pensar na vida. Um bom motivo para chegar em casa e chorar. Ligar para o melhor amigo
e encher a cara. “fiquei vivo irmão!”. " Diz para minha mulher que eu a amo muito".
Alguém tem que pensar em alguma coisa aqui.
Qualquer um de vocês. Se
não o dia nunca acaba.
Eu já vi esse filme antes. Preciso de uma novidade. Aqui na vida deles, todo dia é o mesmo dia.
Eu estou
tonto.
Hoje eu vou salvar a vida de alguém.
Uma vida por outra.
Olha ali.
Lá vem um policial.
Correndo.
Vai pular em mim e me derrubar da cadeira.
Boa garoto!
Posso até imaginar uma música. Superman. Para dar um ar heroico a cena.
Esse sim, um verdadeiro herói. Vai salvar a própria vida. Os
outros estavam só vivendo. Para eles todo dia é o mesmo dia. Para ele não. Ele estava pensando.
Vai acabar.
Pulou em mim.
Doeu.
Acabou.
Foi o único deles que pensou. Por isso nunca vai esquecer.
Hoje foi o seu grande dia garoto. Liga para tua mulher e chora.
Acabou.
Foi justo.
Uma vida por outra.
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